31 de jan. de 2008

Releitura de um Incerto Desassossego (Pequena colaboração de Raquel Reis)

For a Stranger

“Eu te pareço louca?
Eu te pareço pura?
Eu te pareço moça?
Ou é mesmo verdade
Que nunca me soubeste?”

(Hilda Hilst In: Poesias:1976)

De certa forma gostavam daquilo. Uma confluência desnecessária de palavras e gestos reprimidos, sempre a espera de algo capaz de transformar aquele estúpido desejo. Uma embriaguez de incertezas entorpecia aqueles olhos. Enquanto um desabotoava a vida do outro sem uma concessão clara e exata, uma idéia cínica latejava-lhes o peito: aquilo não teria fim. Ou melhor, nunca principiara. Não passara de um descuido em uma noite abafada por ruídos e mágoas. Apenas aqueles olhos noturnos incendiando as cinzas recém- acumuladas.
E agora a vida arfando impetuosa entre confissões e risos imperturbáveis. Talvez um sinal de proximidade, mas a incapacidade de compartilhar qualquer desejo de liberdade ou sofrimento permanece. Já não tinham o direito de memorizar o endereço daquela lembrança. Desconhecidos de uma esquina distante e frutos de uma nódoa passional. Par de olhos opacos agora. Mas, intensos com tamanha angústia e febre que tudo recomeça e ela não se reconhece. Se fecha, perdida em si mesma.
O silêncio não fere. Apenas abrevia o desnecessário. E aquela luz incômoda revelando o medo, a censura. Barulho de chuva resfriando o corpo. Não olhe agora, ele pensa desconfiado de seu próprio tormento. Segue-se um riso descontrolado, doentio, um choro convulso de quem se arrepende. Se calam, se esquecem, se infantilizam. Aqueles olhos tão doces mirando a desventura dela. Manto negro delineando os ombros cansados. E a noite se vai, porta aberta para o infinito. Ninguém mais ouviu falar naqueles olhos cor de amargura. E o tempo se esvai, o ritmo desacelera e o passo segue lento no caminho oposto. Um incerto desassossego corrói o que ainda resta. Depois, apenas a fuga inconsciente.

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