5 de mai. de 2009

Uma canção desafinada

Remexendo freneticamente na bolsa em busca de qualquer coisa que aliviasse aquela tensão Joana foi interrompida pela voz suave da secretária a sua frente. É a sua vez, minha querida. Aquilo soou como um pedido desesperado. Dois meses e o procedimento já era arriscado. Procurou ajuda em diversos lugares, mas ninguém se dispusera a extirpar seu problema. E aquilo foi crescendo e chamando atenção e a mãe perguntando o que isso minha filha e ela respondia apenas com um meio sorriso. Já se passara quinze minutos desde a chamada suave da secretária e Joana ali, estática pela dúvida que lhe consumia. Mais uma procura impulsiva dentro da bolsa para acabar com aqueles calafrios intermitentes e apenas um cigarro para lhe acalmar os ânimos. A secretária sumira. Fora ao banheiro, talvez. Ou preparar um café, como todas fazem diante de um balcão vazio e sem perspectivas. Ela parece minha mãe, pensou Joana, mas sem aquele cheiro de perfume barato que rescindia no ambiente. E aqueles bibelôs próximos ao telefone, tão imóveis e opacos que lembraram sua infância. Apesar da penumbra do local com aquelas almofadas desconfortáveis quebrando-lhe a coluna, Joana sentiu um ímpeto de chamar desesperadamente aquela mulher que sumira de repente, abraçá-la e choramingar baixinho pedindo o consolo e o afeto que nunca tivera. Não era fácil sobreviver daquela maneira. E agora aquele pequeno imprevisto, tão pequeno como seu rosto medíocre que ia se desfazendo com aquela maquiagem borrada pelas lágrimas discretas. A secretária voltara. Café? Não, obrigada. Dizem que faz mal para o bebê e Joana já se via com ele nos braços andando pela rua e um rosto familiar em cada esquina, não nos conhecemos de algum lugar? e Joana lembrando do terror, da fuga, da clandestinidade. Você pode voltar outro dia, menina. E aquilo soou como um consolo. Seu tempo expirara, assim como aquela protuberância que a enorme bolsa escondia e que teria o mesmo destino. Já eram seis horas da tarde. O pôr-do-sol entrava pela janela entreaberta e Joana naquela mesa com tudo aberto e exposto, eliminando o que estava deformando seu corpo jovem e sua credibilidade. A maquiagem se desfazendo negra em seu rosto e ela gritando e implorando que fora um erro. Um tremendo erro entrar naquele lugar tão sem vida como sua idéia de expulsar alguém perdido em sua própria inconsciência.

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