11 de jan. de 2014

Ana, te conto a minha grande história passional

 Dear Ana,


Júlio pergunta pelas chaves. Eu digo que não. Joana, me dá isso aqui. Não dou. Quero ovos poché, torradas integrais  e suco de melancia para o café da manhã. Júlio se nega a me atender, diz estar cheio de minhas exigências alimentares. E afetivas. Para mim ele nunca  fora o suficiente. Talvez nem a metade do suficiente. Coloco a roupa na máquina e dou a partida naquele objeto branco que treme sem parar. Máquinas de lavar não deveriam se sacudir tanto, parecem querer expelir alguma coisa incômoda.

Também tenho muita coisa para expulsar daqui de dentro. E pesa muito mais do que 5kg de roupa suja. Júlio volta da cozinha com o meu café pronto. Me olha de soslaio, pede desculpas e me dá um beijo insosso. Assim como a minha vontade em continuar dividindo o meu mundo com ele. Pergunta pelas chaves. De novo. Finjo não ouvir, termino o café rapidamente e logo visto calça - jeans, blusa preta e sapatilhas. Prendo os cabelos em um coque - uma caneta segura o emaranhado de fios castanhos - porque nunca sei onde deixei as presilhas - e sigo para o ateliê. Enfim, começo a trabalhar na escultura inacabada do dia anterior. Argila amorfa entre as mãos. Vida amorfa entre as mãos. Já não sei o que estou fazendo ali. 

Pneus cantando na avenida. Júlio que achou as chaves. Vai escapar  para algum lugar com toda sua culpa. Eu sei que vai.

Enfim, a roupa está limpa.


Um beijo, darling [não quero mais falar de coisas tão brutas como esta, sorry].

Joana.

Um comentário:

  1. Uma bela amostra de um relacionamento no seu fim. Estou gostando muito das cartas para Ana. Parabéns. Beijos

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